Artigo VIDA para a XVII edição da revista da Plataforma Portuguesa das ONGD – novembro 2018
O desenvolvimento rural é, nos dias que correm, uma das áreas do Desenvolvimento mais desafiantes. É a base da alimentação e da sobrevivência de milhões de pessoas e está completamente dependente de fatores ambientais e climáticos, que – como todos sabemos -apresentam uma grande variabilidade com impacto imediato e concreto na vida das famílias, comunidades e países.
Ao longo dos últimos 18 anos, a VIDA tem desenvolvido projetos na área do desenvolvimento rural integrado, tentando responder a problemas e constrangimentos identificados pelas comunidades mais pobres e vulneráveis, dependentes do ecossistema para viver. Não existem respostas únicas e isoladas nem tão pouco replicáveis em forma de carimbo. Existem processos de desenvolvimento construídos de forma lenta com as famílias, testando soluções integradas que envolvem vários atores.
Como é que sabemos que as nossas ações de desenvolvimento rural mudam a vida das pessoas para melhor? Como contribuem para a melhoria da sua saúde e do seu rendimento? E quanto tempo precisamos para que, de facto, alguma mudança ocorra se tantas variáveis não dependem de nós, agentes externos a estas comunidades?
Primeiro, as pessoas são a fonte das soluções: com elas, temos que construir laços de confiança profundos e de entendimento sobre os objetivos do nosso trabalho, o que leva tempo. Temos que criar pontes com os peritos, para que a informação técnica atualizada possa ser utilizada e adaptada a cada contexto. Temos que testar e utilizar ferramentas de investigação para confirmar resultados e, posteriormente, avaliar em conjunto os resultados que melhor servem as famílias, hoje e no futuro – por exemplo, num ensaio agrícola onde se testam diferentes variedades de uma cultivar, não se pode avaliar meramente o desempenho produtivo (kg por hectare) mas torna-se fundamental avaliar com as famílias se uma determinada variedade é preferida em relação às outras (sabor, preparação e confeção, nutrição).
Quando tomamos a decisão de apoiar na melhoria da vida de uma família que depende dos produtos agrícolas que produz, temos que ter em conta o contexto nas suas várias dimensões (económica, social, cultural), o ecossistema e os constrangimentos que enfrenta em todas as suas vertentes (estado sanitário e nutricional, poder de compra, mobilidade, comunicação e acesso a informação) – quando a pobreza e o isolamento se encontram, o custo e o tempo ganham dimensões ferozes: enquanto uma mulher agricultora caminha 5 a 8 horas para chegar até ao mercado mais próximo para a aquisição de sementes, perde o equivalente necessário para outras atividades imprescindíveis para a família. Assim, a produção de mais alimento será apenas uma das preocupações, sendo que a conservação dos produtos agrícolas no pós-colheita (cerca de 30% da produção de alimentos perde-se nesta fase), a importância da nutrição na família e a eventual venda de excedentes, terá que fazer parte da resposta integrada e que perdure no tempo.
Simultaneamente, é fundamental ter em conta o fortalecimento do sistema comunidade através de ações cooperativas. Quando as famílias se encontram isoladas, sem acesso a bens e serviços quer por parte do Estado quer por parte de privados, é essencial o estabelecimento de pontes geradoras de redes que tragam à luz do dia os problemas das pessoas e dos lugares que não constam nos mapas institucionais. O movimento associativo, mesmo que informal, e o pensamento em comunidade como resposta a problemas comuns facilita a chegada da informação aos órgãos de decisão e investidores. Atualmente, onde a informação em tempo real permite a ligação entre atores de todo o mundo, estar isolado é não existir. A pertença a uma rede permite o acesso a informação fundamental para criar maior resiliência, sobretudo nas famílias e comunidades mais isoladas e vulneráveis. Na agricultura, e perante os efeitos das alterações climáticas, o acesso a esta informação é decisiva para tomadas de decisão que implicam repercussões significativas nas famílias: na segurança alimentar, na gestão e conservação dos recursos naturais e nos movimentos migratórios.
Ao longo de duas décadas de permanência e de trabalho com as comunidades, fomos percebendo que, para conseguir respostas a problemas estruturais, o espaço da nossa intervenção precisa de ir além das fronteiras do nível comunidade – as autoridades e instituições locais e regionais precisam de ser incluídas neste processo e são imprescindíveis para encontrar soluções sustentáveis.
Se existe uma chave que ajuda a quebrar o ciclo de pobreza extrema, essa, com certeza, baseia-se no pensar e no trabalho em conjunto, na análise e avaliação das respostas encontradas e no seguir de um caminho de fortalecimento das redes que apoiam a mudança e o desenvolvimento das populações.
Fotografias do projeto de desenvolvimento rural Kopoti pa cudji nô futuro, implementado pela VIDA
em 6 aldeias do setor de São Domingos (região de Cacheu, Guiné-Bissau)