Rio de Janeiro, 10 de abril de 2024
Em dezembro de 2022 recebi um telefonema do meu amigo João Branco que me perguntou, “o que você vai fazer em março de 2024?”, ao que respondi, “provavelmente o que você me disser agora!”.
Assim começou minha viagem para representar o Brasil, com o espetáculo solo A descoberta das Américas, na primeira edição do Djintis, Festival Internacional de artes cênicas de Bissau onde, por uma semana, vivi uma imensidão de fatos e encontros que me atravessaram a alma, pois percebi que tudo era parte de uma história muito maior e muito mais antiga.
Mais de 500 anos atrás, os povos originários das terras hoje conhecidas como Brasil, sofreram uma invasão análoga à que, no mesmo período, foram vítimas os povos originários das terras hoje conhecidas como Guiné-Bissau.
Mais de 500 anos depois, uma das principais heranças desses atos resultou na possibilidade de uma comunicação fluida entre os povos desses dois países já que, em ambos, a língua oficial atual é o português, embora o crioulo, com suas variações regionais, seja a verdadeira língua da grande maioria da população Guineense.
Muito tempo antes disso tudo, o teatro já existia no mundo inteiro, com todas as suas variações e formas de expressão, inclusive entre os povos originários dessas regiões, embora hoje, no continente Africano, inúmeros dramaturgos, diretores e atores ainda lutem para terem seus trabalhos reconhecidos fora de seus territórios.
Esse ano, porém, em Bissau, foi construído um centro de artes cênicas transdisciplinar, não à toa chamado Ur_GENTE, uma vez que dessa urgência também se trata a criação desse primeiro festival internacional de artes cênicas de Bissau.
O privilégio de testemunhar, vivenciar e compartilhar esse momento, criou um vínculo sem medida em meu coração, pois o que vimos foi uma ação heroica de pessoas muito determinadas na construção, em tempo recorde, do espaço físico Ur_GENTE, e a produção da primeira edição do Djintis, ambos símbolos e referências do início de um processo de afirmação e troca de experiências entre artistas vindos de todo o mundo.
A programação da primeira edição do Djintis soube valorizar a produção e atuação dos artistas locais, deixando claro suas qualidades artísticas e humanas, cabendo a nós agora lutar para garantir a continuidade, não só das próximas edições do Djintis, mas também da utilização e manutenção do espaço Ur_GENTE – ambos criados com fundos muito justamente obtidos da União Europeia e com o apoio dos institutos de cultura Português, Francês e, futuramente, também do Brasileiro – de modo a aprofundar as relações entre parceiros e artistas locais e internacionais e conquistar a solidez e a visibilidade que merece.
Como cidadão e artista brasileiro, entendo que a oportunidade de ter representado o Brasil nessa primeira edição me coloca na condição de mais um zelador desse bem, que é maior e mais importante que os próprios artistas, pois é um bem de todo o povo guineense.
A cultura é a mais potente arma de defesa pessoal do cidadão e fazer teatro é um ato revolucionário. A criação do espaço Ur_GENTE e do Djintis representam o reinício de uma antiga história de desafios e conquistas e, como diz meu pai, restará sempre muito o que fazer, que em crioulo deve ser algo como, Ina ten inda mangadel kuma di fassi.
Bissau foi uma nova descoberta para mim e, de volta ao Brasil, descobri que o avião é mais rápido que o coração, pois já cheguei, mas ele não.
A descoberta das Américas esteve em cena no palco do espaço Ur-GENTE no dia 29 de março de 2024
Aula aberta para atores e atrizes com Julio Adrião, no Centro Cultural Português
Julio Adrião
Ator e produtor | Brasil
Julio Adrião é carioca, ator, produtor e diretor teatral. Formado pela CAL, Casa das Artes das Laranjeiras (Rio de Janeiro) em 1987, trabalhou 6 anos em Itália com foco na formação física do ator, nas Companhias de Teatro Potlach, de Fara Sabina, Abraxa Teatro e Qabaloquá. De volta ao Brasil em 1994, criou e integrou o trio cómico Companhia do Público até 2002. Produziu e dirigiu espetáculos de teatro e, como ator, participou em diversas produções, em curtas e longa metragens, no cinema e séries na TV.
Ganhou o Prémio Shell/RJ de melhor ator em 2005, com o espetáculo solo A descoberta das Américas, de Dario Fo, e em 2021, dividiu com o ator Vertin Moura o troféu Conceição Moura, do VI Cine Jardim/PE, pela atuação no filme Sertânia, de Geraldo Sarno.
O festival DJINTIS foi promovido no âmbito do projeto “Ur-GENTE, Centro de Artes Cénicas Transdisciplinar de Bissau”, implementado pela ONGD VIDA. O projeto está enquadrado na ação PROCULTURA, financiada pela União Europeia, gerida e cofinanciada pelo Camões IP, envolvendo três países e uma rede de organizações parceiras: da Guiné-Bissau, o GTO – Grupo de Teatro do Oprimido; de Cabo Verde, a ALAIM – Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo; e de Portugal, a Companhia de Música Teatral. O DJINTIS contou, ainda, com o apoio financeiro do Institut Français.
A programação do DJINTIS teve a Assistência Técnica de Alejandro de los Santos e o festival contou com a Direção Artística e Técnica de Pedro Fonseca e Rui Oliveira.